O pequeno Gaio

Finalmente chegou o grande dia! Iria finalmente escolher o pássaro que ficaria em meus ombros. Cheguei na loja e observei aqueles belos pássaros engaiolados, vi araras, tucanos, calopsitas e até pardais. Procurava meu pássaro, um pássaro que me representasse, o pássaro que ficaria sempre ao meu lado. 

Vi um pequeno Gaio da cor mais linda, estiquei os braços para alcançá-lo, mas a prateleira estava muito alta, pedi ajuda ao vendedor que disse que o Gaio era muito pequeno, fraco, que não vingaria. 

Olhei para o Gaio, 

ele me olhou de volta, 

os mesmos olhos, as mesmas cores, 

eu sabia, ele sabia

Abaixei o meu olhar e bem na minha frente havia um lindo Tié. As penas do Tié eram vistosas, brilhavam no sol. Seu canto era do mais belo, já o Gaio assim como eu não sabia assobiar. Peguei o Tié e nele vi um lindo futuro, olhei mais uma vez para o triste Gaio.

Onde posso encontrar um maior?

Só em outra loja

Outra loja seria arriscado

Não queria sair do conforto

Sai com o Tié sobre o ombro. O pássaro conquista a todos e nos primeiros 182 dias seu canto é doce, depois seu canto fica amargo porque ele sabe que mesmo tendo passado tanto tempo eu não consigo tirar o pequeno Gaio da cabeça. A noite sorrateiramente vou até a loja, meu amante continua lá, me esperando.

Seus olhos transmitem alegria

Os meus, tristeza

Peço desculpas

Ele entende

O Gaio continua pequeno, não sei se seria capaz de faze-lo crescer.

A prateleira parece estar mais alta, mas a noite conseguimos romper a distância inexistente. Ele tenta assobiar, eu rio da sua falta de experiência. Ele bate as asas desengonçadamente e cai no chão. Sorrio para ele, não preciso de provas, eu o amo mesmo assim. O pequeno Gaio entende, sempre me entendeu, ele sabe quantas vezes chorei, sabe quantas cicatrizes eu tenho.

Alguns momentos tenho vontade de fazer o chão tremer, de colocar a prateleira abaixo, de pegar o meu pequeno Gaio e fugir.

Fugir pra onde?

Não sei

Ah, Mylla...

E ele tenta voar mais uma vez

Está amanhecendo, hora de me libertar do sonho. Sempre digo que é a última vez que volto, mas ele sabe que não é verdade. É o maldito Gaio azul que quero em meus ombros.

Me despeço dele, ele diz que vai ficar tudo bem, que vai sempre esperar por mim. Volto para casa, o dia começa, tomo café, escovo os dentes, pego ônibus. 

As pessoas me elogiam

Mal elas sabem que no meu bolso 

guardo as penas do pequeno Gaio

Já não mais azuis

Porque elas não refletem mais a luz