Texto de minha autoria, espero que gostem.
O relógio bate as duas
Convido-o a entrar
Você entra sem
dizer nada e observa cada móvel, cada objeto, cada cantinho da casa que antes
era um sonho, um desejo que consegui realizar. Conto como o sofá era
desconfortável, como os armários eram brancos sem vida, como as cadeiras eram
duras e frias, como as flores eram de plástico e eu as regava mesmo assim.
Me jogo na
minha cadeira Klein sentindo ela me abraçar, giro 360º e aponto para as minhas
medalhas e troféus expostos na parede, vejo a admiração em seus olhos e sorrio
imediatamente, não me canso de admirar cada metro quadrado da casa. Me lembro
de como era antes, penso no que não se tornou e noto como está agora, sei que
faltam alguns reparos, mas aos poucos ela ficará completa.
Jogamos
conversa fora
contamos piadas
rimos bastante
até que as gargalhadas se
dissipam
e percebo que chegou a hora.
Conduzo-o as
escadas, descemos sem dizer uma palavra, a cada passo o caminho fica mais
escuro, os degraus mais estreitos, as paredes nos pressionam, nos obrigando a andar
em fila indiana.
Ao final das
escadas há uma porta, preciso de ajuda para abri-la, adentramos ao quarto mal
iluminado. Começo a tremer, não sei se por medo ou frio. Tento regular a
temperatura, mas não consigo, tento acender a luz, mas as lâmpadas estão
queimadas. Nada funciona, esse é o único quarto que não consigo arrumar, por
mais que eu tente.
Pego um
banquinho para você se sentar, pedindo mentalmente desculpas por não ter uma
segunda cadeira. Você não se incomoda, mas o quarto se incomoda.
Novos olhos observam as paredes
novos pés tocam o chão
O ar fica mais pesado, eu não
consigo respirar, tenho de me apoiar na parede úmida antes de continuar.
Pego os álbuns
e te mostro um a um, uns são mais antigos, outros mais recentes, deixo você os
abrir e ver cada foto, cada detalhe. Viro a cabeça para o outro lado, não quero
olhar, não quero tocar, não quero me machucar, mesmo você manuseando com
cuidado e me perguntando se pode avançar a cada página dói muito, sinto meu
corpo ficar mais encolhido, penso quando isso vai acabar, se eu quero mesmo
avançar, mas é preciso.
Ofereço um
café, cambaleante vou até a pia improvisada, percebo que não tem água,
aproveito as minhas lágrimas para diluir o pó escuro, você parece não se
importar com o gosto amargo do líquido.
Juntos abrimos
uma velha caixa, nela há várias tintas e máscaras que já usei ao longo dos
anos, algumas intactas, outras quebradas, lentamente tiro a máscara que estou
usando e a deixo em cima da mesa empoeirada.
Prevejo um “oh!” de espanto,
mas
você permanece indiferente,
como se eu fosse a mesma de antes,
como se isso não
importasse,
como se eu fosse normal.
Sozinha abro
outra caixa. Te mostro a faca, a pílula e a agulha, estendo os braços e mostro as
cicatrizes, mostro as cartas nunca enviadas, as cartas nunca escritas, ao invés
de me repreender você apenas me observa com seus grandes olhos esperando o
próximo passo, nem eu sei o próximo passo! Eu estou tão perdida...
Abaixo a
cabeça e começo a chorar, lágrimas de medo, alívio, vergonha e conforto
escorrem pelas minhas bochechas molhando minhas roupas, as máscaras, os
álbuns... lágrimas que finalmente se cessam. Ergo a cabeça e respiro fundo
antes de abrir os olhos. O quarto parece estar mais claro e limpo, o ar mais
leve, a temperatura mais amena.
Limpo o rosto e pisco várias vezes,
me pergunto
o que você fez enquanto estive em transe.
Ficamos um
tempo em silêncio até que você coloca a mão no meu ombro e diz “obrigado”, de
repente várias emoções e pensamentos conturbados dominam meu ser e tento me
apegar em um especial: a esperança.
Há ainda
muitas caixas para abrir, algumas são pequenas, outras maiores, algumas vou
precisar de ajuda e outras só o tempo abrirá.
Peço paciência,
você compreende
juntos fechamos a porta do quarto
e subimos as longas escadas
que nem parecem
ser mais tão longas assim.
texto muito bem escrito, daqueles que nos fazem refletir para entender o que há nas entrelinhas.
ResponderExcluirNo fim, a esperança é o que realmente nos move, né?
ResponderExcluirAdorei o texto!
Beijos!
Fabi Carvalhais
Pausa Para Pitacos | Participe do TOP COMENTARISTA
A esperança é o caminho!
ResponderExcluirAdorei o texto!
Obrigada pelo carinho. Beijos :*
Claris - Plasticodelic